Minha coluna publicada no Jornal Mogi News nesta terça-feira
fala sobre o caso da menina de 10 anos estuprada pelo tio desde os 6 anos e os
comentários repugnantes de uma professora e um padre nas redes sociais.
Caderno Cidade – 24/08/2020
A professora e o padre
Professores e padres são vistos socialmente como importantes
referências no processo de formação do caráter das pessoas, particularmente das
crianças e jovens. Indo um pouco além nessa questão, eu diria que professores e
padres, pela natureza das funções sociais, assumem papel de protetor de
crianças e jovens, principalmente dos mais fragilizados e vulneráveis.
Fragilizada e vulnerável estava a menina que foi estuprada
dos 6 aos 10 anos no Espírito Santo pelo seu tio de 33 anos. Ela tem 10 anos e
uma gravidez decorrente da violência sexual sofrida seguidas vezes.
A justiça capixaba não hesitou em autorizar o aborto, sendo o
mesmo realizado em hospital de Recife, diante de manifestações favoráveis e
contrárias ao procedimento médico, inclusive com a tentativa de invasão do
local protagonizada por parlamentares de extrema direita e fanáticos
religiosos. É importante ressaltar que o local do procedimento e o nome da
menina foram divulgados por Sara Winter. Fato esse que configura crime perante
a legislação brasileira.
Uma criança de 10 anos, violentada sexualmente pelo tio por
longos 4 anos, foi julgada e condenada por hipócritas e falsos moralistas.
Assim como foi julgado e condenado o médico que cumpriu a lei e o juiz que,
seguindo o rigor da lei, autorizou o procedimento.
Depois desses monstruosos acontecimentos era de se esperar
que nada pudesse ser pior. Ledo engano.
Na esteira da repercussão do fato nas redes sociais surgem dois personagens que
conseguiram superar todo e qualquer comentário, mesmo os mais cretinos. Uma
professora de educação básica e um padre.
Uma professora de educação básica da rede pública estadual de
São Paulo postou em uma rede social, comentários minimizando o caso: "não
foi nenhuma violência". "Deve ter sido bem paga" para manter uma
"vida sexual" com o tio...A professora foi demitida.
Além da professora, um padre também foi pelo mesmo caminho.
Padre Ramiro José Perotto, de Carlinda, escreveu em sua rede social que
duvidava que a criança estuprada pelo tio tivesse sido abusada. “Você acredita que a menina é inocente?
Acredita em Papai Noel também. 6 anos, por 4 anos e não disse nada. Claro
estava gostando. Por favor kkkkk gosta de dar, então assuma as consequências”.
Julgamento de um padre sobre o comportamento de uma criança de 10 anos que foi
estuprada e ameaçada por longos 4 anos.
Professora e padre. Dois personagens que deveriam ser
referências para a sociedade protagonizam espetáculo tão vil. Como tantos
outros eles pensam assim. E mais que pensar, eles se exibem para seus pares.
AFONSO POLA é sociólogo e professor (afonsopola@uol.com.br)