Minha coluna publicada no Jornal Mogi News nesta terça-feira fala
sobre as inúmeras catástrofes ocorridas no Brasil e que até hoje os
responsáveis não foram punidos.…
Caderno Cidade – 11/08/2020
Catástrofes esquecidas
Todo evento, por mais impactante que seja e que aconteça
sistematicamente, acaba sendo incorporado no nosso cotidiano como se natural
fosse. Essa repetição constante vai produzindo uma espécie de anestesia que
acaba restringindo nossa capacidade de se indignar.
É o que tem acontecido com a violência e a corrupção, por exemplo.
São tantos os casos que nos cercam que passamos a ver esses eventos como uma
característica quase natural da nossa sociedade. É assim que uma cultura se
instala.
Além da violência e corrupção, outro tipo de evento também trilha o
mesmo caminho. O das tragédias, sejam elas “naturais” ou não, pois sempre é
possível indicar responsáveis, seja pela ação ou pela omissão.
Em 31 de dezembro de 1988, o Bateau Mouche naufragou na Baía de Guanabara,
no Rio de Janeiro, matando 55 pessoas. O barco estava com excesso de
passageiros e o casco apresentava furos. Foi o que a perícia apontou. Quase 32
anos depois, ninguém foi punido e as famílias ainda não foram indenizadas.
O massacre do Carandiru foi uma chacina que aconteceu em 2 de
outubro de 1992. Tal chacina deixou como saldo 111 presos mortos. Vários
policiais envolvidos foram promovidos depois da desastrosa ação e, mesmo depois
de 28 anos, o processo continua em aberto.
A chacina da Candelária (Rio de Janeiro) ocorreu em 23 de julho de
1993, quando oito crianças e jovens foram friamente assassinados por policiais.
Três PMs foram considerados responsáveis pelos assassinatos e foram condenados
a pelo menos 200 anos de prisão. Em 23 de julho de 2018 os três receberam um
indulto e foram colocados em liberdade.
Já em 27 de janeiro de 2013, o incêndio na boate Kiss matou 242 pessoas e feriu 680 outras. Ocorrida em Santa Maria (RS), tal tragédia foi provocada pela imprudência e pelas más condições de segurança no local. Sete anos depois, o julgamento popular que estava previsto para março deste ano foi suspenso por decisão judicial.
Em 2015 o rompimento da barragem em Mariana (Samarco/Vale S.A.)
matou 19 pessoas e causou danos ambientais incalculáveis. O processo de
indenização das famílias atingidas pela catástrofe ainda se arrasta. O mesmo
serve para o ocorrido em Brumadinho (Vale S.A.) em 25 de janeiro de 2019 com
259 mortos. Nesses dois casos também não existe a punição dos responsáveis
pelas tragédias.
Temos ainda o aparecimento das manchas de óleo no Nordeste e
queimadas na Amazônia. São também crimes sem respostas. No caso da pandemia, já
ultrapassamos 100 mil mortes.
Precisaria de um jornal inteiro para falar de todas as outras que
não foram aqui mencionadas. As tragédias também vão rapidamente para o
esquecimento de mãos dadas com a impunidade.
AFONSO POLA é sociólogo e professor (afonsopola@uol.com.br)
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